a impaciência com que os miúdos esperam o dia do seu aniversário não tem paralelo senão no receio dos adultos vendo chegar o seu. paradigma de uma juventude que começa cada vez mais cedo e acaba cada vez mais tarde e uma nova velhice em que se é idoso sem se ser velho.
no universo profissional, os recursos humanos só reconhecem duas categorias - júnior e sénior - , como se fossemos sempre ou demasiado jovens ou demasiado velhos para trabalhar.
o que sobra para a fase adulta é uma faixa cada vez mais reduzida, e é nela que se descarrega todo o peso da existência, num punhado de anos todas as frentes se abrem simultâneamente, é preciso uma casa, fazer carreira, criar os filhos, entregar-se aos tempos livres, fazer viagens maravilhosas, pensar no futuro e em si próprio tudo enquanto se gere o quotidiano, em resumo é preciso triunfar na sua vida.
mas quando é que nos sentimos adultos, quando é que atingimos a maturidade?
aventureiros tardios e pais precoces, cada um terá a sua história para contar, mas provavelmente não andará longe de uma resposta em torno da triologia: experiência - relação com o mundo; responsabilidade - relação com os outros e autenticidade - relação consigo próprio.
experiência não é ter visto ou feito tudo, é pelo contrário ser capaz de fazer face a situações que nunca vivemos, situações novas ou excepcionais, ser capaz de integrar novos acontecimentos em grelhas de interpretação, pegar no fio de uma meada.
responsabilidade não apenas dos seus actos, mas responsável pelos actos de outros, ou seja sentir deveres e obrigações mesmo em relação àqueles que não pediram nada, filhos, alunos, colegas mais novos...
ser autêntico "tornares-te naquilo que és", nada mais difícil, encontrar o caminho entre a plenitude do ser-se e o vazio existencial.
reconciliar-se com o mundo, com os outros e consigo próprio não é uma tarefa simples e requer mais tempo e dedicação, e em face dela é natural que de vez em quando possamos sentir-nos cansados de ser adultos.
terça-feira, 24 de novembro de 2009
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
lilith
lilith é referida como a primeira mulher do bíblico adão, acusada de ser a serpente que levou eva a comer o fruto proibido. no folclore popular hebreu medieval, ela é tida como a primeira esposa de adão, que o abandonou, partindo do jardim do éden por causa de uma disputa sobre igualdade dos sexos, chegando depois a ser descrita como um demónio.
de acordo com certas interpretações da criação humana, reconhecendo que havia sido criada por deus com a mesma matéria prima, lilith rebelou-se, recusando-se a ficar sempre em baixo durante as suas relações sexuais. na modernidade, isso levou à popularização da noção de que lilith foi a primeira mulher a rebelar-se contra o sistema patriarcal.
assim dizia lilith: ‘‘porque devo deitar-me em baixo de ti? porque devo abrir-me sob teu corpo? porquê ser dominada por ti? contudo, eu também fui feita de pó e por isso sou tua igual.’’ quando reclamou de sua condição a deus, ele retorquiu que essa era a ordem natural, o domínio do homem sobre a mulher, dessa forma abandonou o éden.
lilith, a primeira femininista de que há registo... ou uma questão de posição.
de acordo com certas interpretações da criação humana, reconhecendo que havia sido criada por deus com a mesma matéria prima, lilith rebelou-se, recusando-se a ficar sempre em baixo durante as suas relações sexuais. na modernidade, isso levou à popularização da noção de que lilith foi a primeira mulher a rebelar-se contra o sistema patriarcal.
assim dizia lilith: ‘‘porque devo deitar-me em baixo de ti? porque devo abrir-me sob teu corpo? porquê ser dominada por ti? contudo, eu também fui feita de pó e por isso sou tua igual.’’ quando reclamou de sua condição a deus, ele retorquiu que essa era a ordem natural, o domínio do homem sobre a mulher, dessa forma abandonou o éden.
lilith, a primeira femininista de que há registo... ou uma questão de posição.
foto de pecado original, os meus agradecimentos.
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
outras ideias
lembrar-se de uma anedota num enterro, imaginar dar uma facada na pessoa com que se está a discutir, ver-se a deixar cair um bebé que se tem ao colo, desejar a morte a alguém próximo... não tenham receio não sou psicopata, mas se pensamentos deste género já lhe passaram pela cabeça não se pode concluir que seja um monstro por isso.
"pensamentos intrusivos" é o nome que lhes deram. mais um processo banal dizem. pensamentos intrusivos circulam como relâmpagos nas cabeças de cada um de nós. apenas se se tornarem ideias fixas ou obsessivas podem gerar nalgumas pessoas angústia e culpabilidade.
durante muito tempo essas obsessões culpabilizantes foram interpretadas como obra de satanás, depois com a psicanálise a expressão do nosso inconsciente, mais recentemente estes pensamentos intrusivos são vistos como o resultado da visualização daquilo que receamos mais, portanto um simples mecanismo de alerta.
"face a uma ideia penosa, pensa imediatamente: tu és uma ideia e não aquilo que representas" como Epiteto aconselhava há já 2000 anos.
claro falta o sexo... deixa ver, pensamentos intrusivos relacionados com o sexo...
"pensamentos intrusivos" é o nome que lhes deram. mais um processo banal dizem. pensamentos intrusivos circulam como relâmpagos nas cabeças de cada um de nós. apenas se se tornarem ideias fixas ou obsessivas podem gerar nalgumas pessoas angústia e culpabilidade.
durante muito tempo essas obsessões culpabilizantes foram interpretadas como obra de satanás, depois com a psicanálise a expressão do nosso inconsciente, mais recentemente estes pensamentos intrusivos são vistos como o resultado da visualização daquilo que receamos mais, portanto um simples mecanismo de alerta.
"face a uma ideia penosa, pensa imediatamente: tu és uma ideia e não aquilo que representas" como Epiteto aconselhava há já 2000 anos.
claro falta o sexo... deixa ver, pensamentos intrusivos relacionados com o sexo...
ps. profundos agradecimentos à Paula dos Desejos Intimos, pela sugestão da foto.
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
menus
no restaurante joga-se em geral um cenário imutável, ritmado por um guião canónico. actores (os clientes) sentam-se à mesa, esperam que o actor servidor traga o menu para efectuar o pedido. o menu proposto é composto por entradas, pratos principais, sobremesas e bebidas. terminada a refeição, pedem a conta, pagam e saem do restaurante, deixando ou não uma gorjeta.
este conjunto de acções faz parte dos guiões que modelam as condutas e enquadram o pensamento. pode evidentemente mudar de um país para outro, por isso hesitamos quando estamos no estrangeiro e não sabemos se devemos ou não deixar gorjeta.
a vida social está na origem de vários cenários pré-definidos, para além do restaurante, seguimos um determinado guião para uma consulta médica, para a ida matinal à casa de banho, para barbear, para conduzir o carro... a maioria aprendidos de forma implícita por simples repetição e armazenados na nossa memória.
estes guiões estruturam espontâneamente os nossos conhecimentos, facilitam as nossas acções automatizando-as. o conhecimento da sequência de acções que devo desenvolver numa determinada situação evita que tenha de pensar e inventar o que devo fazer, assim a atenção que dedico a algo que já tenho automatizado é seguramente inferior permitindo que enquanto me barbeio ou faço jogging pense noutra coisa.
os guiões mentais permitem ainda inferir outras informações apelando aos conhecimentos implícitos para completar o que não está explícito numa frase. por exemplo se disser " a minha mão acaricia suavemente as suas coxas" deduzir-se-á imediatamente um conjunto de outras informações que não estão escritas mas que fazem parte desse cenário.
ps: pensavam que ia deixar o sexo de fora?
este conjunto de acções faz parte dos guiões que modelam as condutas e enquadram o pensamento. pode evidentemente mudar de um país para outro, por isso hesitamos quando estamos no estrangeiro e não sabemos se devemos ou não deixar gorjeta.
a vida social está na origem de vários cenários pré-definidos, para além do restaurante, seguimos um determinado guião para uma consulta médica, para a ida matinal à casa de banho, para barbear, para conduzir o carro... a maioria aprendidos de forma implícita por simples repetição e armazenados na nossa memória.
estes guiões estruturam espontâneamente os nossos conhecimentos, facilitam as nossas acções automatizando-as. o conhecimento da sequência de acções que devo desenvolver numa determinada situação evita que tenha de pensar e inventar o que devo fazer, assim a atenção que dedico a algo que já tenho automatizado é seguramente inferior permitindo que enquanto me barbeio ou faço jogging pense noutra coisa.
os guiões mentais permitem ainda inferir outras informações apelando aos conhecimentos implícitos para completar o que não está explícito numa frase. por exemplo se disser " a minha mão acaricia suavemente as suas coxas" deduzir-se-á imediatamente um conjunto de outras informações que não estão escritas mas que fazem parte desse cenário.
ps: pensavam que ia deixar o sexo de fora?
Foto: agradeço o desafio aceite por Pecado Original.
domingo, 1 de novembro de 2009
madelaine
"toda a Combray e os seus arredores, tudo isso criou contornos e solidez, saiu, vila e jardins, da minha chávena de chá..." não são precisas muitas páginas de leitura de marcel proust para encontrar estas recordações, que se iniciam num indicio improvável e casual.
" depende do acaso que o encontremos antes de morrer, ou não o encontremos nunca" neste caso, o indicio é potente, visual e gustativo. " estes bolos curtos e arredondados chamados petites madelaines (...), no instante próprio em que na minha boca cheia de migalhas do bolo toca o meu paladar, parei atento ao que se passava de extraordinário em mim. um prazer delicioso invadiu-me, isolado, sem a noção da sua causa. imediatamente as vicissitudes da vida tornaram-se indiferentes, os seus desastres inofensivos, a sua brevidade ilusória, da mesma forma que operou o amor, preenchendo-me de uma essência preciosa: ou melhor essa essência não estava em mim, eu era a própria essência".
" deixei de me sentir medíocre, contingente, mortal (...) imergirá à superfície da minha consciência essa recordação, esse instante antigo que a atracção de um instante idêntico veio de tão longe solicitar, emergir, sobrelevar do meu fundo ? não sei. (...) sinto em mim algo que se desloca, que se quer elevar, algo que se desancorou a uma grande profundidade; não sei o que é mas isso sobe lentamente; sinto a resistência, e ouço o rumor das distancias percorridas (...) apenas antevejo o reflexo neutro onde se confunde o indescritivel turbilhão das cores remexidas; mas não distingo a forma, perguntar-lhe como único interprete possível que me traduza o testemunho do seu contemporaneo, do seu inseparável companheiro, o sabor, pedir-lhe que me diga de qual circunstância particular, de qual época do passado se trata."
"de repente a recordação apareceu (...) quando de um passado antigo, nada subsiste, depois da morte dos seres, depois da destruição da coisas, sós, mais vagos mas mais vivos, mais imateriais, mais persistentes, mais fieis, o cheiro e o sabor ficam ainda muito tempo, como almas a se recordar, esperando sobre a ruína de todo o resto, trazer sem hesitações sobre o sabor quase impalpável, o edifico imenso da recordação."
vou comer um pastel de belém, e esperar que... alguma memória involuntária apareça.
ps: tradução rasca eu sei, mas é o que se arranja.
marcel proust, Du côté de chez Swann (1913)
" depende do acaso que o encontremos antes de morrer, ou não o encontremos nunca" neste caso, o indicio é potente, visual e gustativo. " estes bolos curtos e arredondados chamados petites madelaines (...), no instante próprio em que na minha boca cheia de migalhas do bolo toca o meu paladar, parei atento ao que se passava de extraordinário em mim. um prazer delicioso invadiu-me, isolado, sem a noção da sua causa. imediatamente as vicissitudes da vida tornaram-se indiferentes, os seus desastres inofensivos, a sua brevidade ilusória, da mesma forma que operou o amor, preenchendo-me de uma essência preciosa: ou melhor essa essência não estava em mim, eu era a própria essência".
" deixei de me sentir medíocre, contingente, mortal (...) imergirá à superfície da minha consciência essa recordação, esse instante antigo que a atracção de um instante idêntico veio de tão longe solicitar, emergir, sobrelevar do meu fundo ? não sei. (...) sinto em mim algo que se desloca, que se quer elevar, algo que se desancorou a uma grande profundidade; não sei o que é mas isso sobe lentamente; sinto a resistência, e ouço o rumor das distancias percorridas (...) apenas antevejo o reflexo neutro onde se confunde o indescritivel turbilhão das cores remexidas; mas não distingo a forma, perguntar-lhe como único interprete possível que me traduza o testemunho do seu contemporaneo, do seu inseparável companheiro, o sabor, pedir-lhe que me diga de qual circunstância particular, de qual época do passado se trata."
"de repente a recordação apareceu (...) quando de um passado antigo, nada subsiste, depois da morte dos seres, depois da destruição da coisas, sós, mais vagos mas mais vivos, mais imateriais, mais persistentes, mais fieis, o cheiro e o sabor ficam ainda muito tempo, como almas a se recordar, esperando sobre a ruína de todo o resto, trazer sem hesitações sobre o sabor quase impalpável, o edifico imenso da recordação."
vou comer um pastel de belém, e esperar que... alguma memória involuntária apareça.
ps: tradução rasca eu sei, mas é o que se arranja.
marcel proust, Du côté de chez Swann (1913)
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