
o perfil é um dilema. que livros, filmes e musicas é que ponho aqui? o que é um livro favorito? é um livro que se leu várias vezes? é um livro que nos marcou? é um livro que gostamos? é a mistura de a com b, de b com c, de a com c ou de a com b e com c?
não sei, mas acho que faz sentido falar daqueles que marcaram e que de uma forma ou de outra moldaram a minha forma de pensar:
o primeiro foi na infância, o livrinho da catequese, tinha umas ilustrações curiosas para não dizer intrigantes, na primeira aula, não me lembro porquê desatei a fazer perguntas à cataquista. foram de tal ordem que levei duas valentes bofetadas, suficientes para nunca mais lá pôr os pés. mais tarde tive um amigo na escola secundária, tinhamos discussões bem acesas, a mim já me corria nas veias um certo ateísmo que descambou em radicalismo, a ele corria-lhe o teísmo que o colocou no seminário, e fez dele padre. desculpa lá antónio, não foi de propósito, custa-me imaginar-te numa vida inteira de celibato... e tudo graças aquele livrinho mentiroso.
o segundo livro a deixar marcas foi quando fiz 13 anos, foi um presente de anos da luisa, uma alma com quem nunca troquei uma palavra. em contrapartida trocávamos muitos olhares nos corredores da escola e no autocarro da "carreira".
ainda hoje me lembro daqueles olhos negros lindos muito grandes, daqueles cabelos pretos compridos brilhantes e do sorriso daqueles lábios grossos que mostravam os dentes brancos perfeitos, uma paixão juvenil correspondida, acho, mas totalmente platónica.
entregou o livro ao meu irmão com uma dedicatória, uma mistura de timidez e imaturidade impediu-me de lhe agradecer, chamava-se viagem ao mundo a droga, em 75/76 foi uma autêntica pedrada no charco, acho que me foi tremendamente eficaz para superar uma serie de desafios que se seguiriam.
ela provavelmente pensou que eu era um idiota, e pensou bem. depois daquele ano, nunca mais a vi, mas aquele livro, aquele gesto, perseguiu-me sentimentalmente toda a vida.
a seguir veio a fase da biblioteca itenerante da gulbenkien, a carrinha passava lá na aldeia uma vez por mês carregada de livros, claro inscrevi-me e fui leitor desde a primeira hora, tudo de graça, lia 4 ou 5 livros por mês, um autêntico serviço público, os dois velhotes aconselhavam-nos os livros adequados para a idade mas o sentido já estava noutras preciosidades. foi esse sentido que me levou a ler a triologia de henry miller, sexus, nexus e plexus aos catorze anos, uma sorte e uma riqueza literária para descobrir o mundo do sexo, das relações sexuais e da natureza intima dos homens e das mulheres...
os anos seguintes foram literariamente confusos, o vicio dos policiais, comprados e trocados num afarrabista que existia ali no Saldanha numa arcada de um prédio, que depois devorava à noite até de madrugada, alguns romances que me emprestavam, genero que já pouco apreciava e que a leitura obrigatória dos Maias só veio agravar, e kilos e kilos de lixo tipo os mistérios da ilha da pascoa, extraterestes, astrologia, isoterismo enfim todos os barretes que passados 30 anos continuam nos escarrapates das livrarias sempre renovados e reescritos.
a partir dos 19, 20 anos mergulhado em livros tecnicos emergiu finalmente a curiosidade pelas coisas "sérias" história, filosfia, e divulgação cientifica. destes, um deles, o gene egoista de richard dawkins foi fundamental para moldar daí para a frente a minha forma de pensar, finalmente todas as peças do puzzle, todas as noções dispersas fizeram sentido, todos os comportamentos passaram a ter uma lógica, a história dos homens embora sem sentido passou a ter sentido... se é que isto faz sentido.